Uruguay's Sebastián Abreu works out for Botafogo. He'll debut in Brazilian footballChamam Sebastián Abreu de "Loco", um apelido que o acompanha durante toda a carreira e que faz referência ao bom caráter e ao grande senso de humor que exibe. O camisa 13 do Uruguai é um jogador atípico, um andarilho do futebol, artilheiro em todas as partes do mundo e capaz de fazer a sua cobrança com uma cavadinha em uma decisão por pênaltis nas quartas de final de uma Copa do Mundo da FIFA.

Mas por detrás dessa aparência atrevida se esconde uma mente analítica, que absorveu todas essas experiências e está pronta para ser direcionada à função de técnico. O enigmático atacante da Celeste falou disso e muito mais com exclusividade para o FIFA.com.

FIFA.com: Qual é o segredo do sucesso recente desta seleção uruguaia?
Sebastián Abreu:
No passado, o que nos faltava era consolidar uma ideia, uma mística, uma química. Havia muitos bons jogadores, mas os projetos não eram respaldados nem tinham continuidade. No momento em que chegou o professor (Óscar) Tabárez, encontramos uma identidade. Temos uma base muito clara e um trabalho tático sólido. Os resultados começaram a chegar e são fruto do trabalho bem feito.

Conte-nos as conclusões que você tirou da última Copa América...
Para consolidar o grande trabalho dos últimos anos era necessário chegar à glória, conquistar um título como este. Tê-lo conquistado foi cumprir esse dever, com detalhes que fizeram com que o feito fosse ainda mais comemorado. Ter eliminado a anfitriã, com Messi, com dez em campo desde os 27 minutos do primeiro tempo... O modo como ganhamos a semifinal e a final, termos nos tornado a seleção com mais títulos no continente. É uma felicidade absoluta.

Com base nas suas palavras, podemos dizer que o Uruguai é a melhor seleção da América neste momento?
Sem dúvida. Pelos resultados, pelo futebol e, principalmente, pela sequência.

Mais de uma vez você mostrou o seu desejo de ser técnico. Isto ainda vale?
Venho dizendo isso há muitos anos. Obviamente estou aprimorando essa vocação, com ajuda de técnicos que me entusiasmam com detalhes sobre os treinos, com programas para preparar a semana e outras coisas. Tudo que tiver a ver com tática. Isso sempre me interessou. O fato de ter estado com Pep (Guardiola) e Lillo no Dorados, do México, onde as conversas depois das concentrações eram excelentes, me despertou a vocação de técnico. Aprendi muito com eles e também com (Diego) Simeone, (Manuel) Pellegrini, Tabárez, (Hugo) De León, com o treinador do Botafogo. Todos são atualizados, dinâmicos... Isso me permitiu ler os jogos de maneira diferente.

Voltando à sua carreira como jogador, durante anos você emigrou de país a país, de clube a clube, mas nunca pôde se firmar na Europa. É o que falta?
Não, de jeito nenhum. Quando cheguei ao La Coruña, era muito jovem e joguei as 18 partidas da minha primeira temporada. Mas não entrei nos planos do clube e comecei a procurar lugares que se adaptassem às minhas características de jogo. Apareceram equipes da América e eu procurei aproveitar todos os minutos em campo para continuar sendo um jogador de seleção, que era o mais importante. Voltar não me tirava o sono. Há dois anos regressei, defendendo a Real Sociedad. Marquei 11 gols em 17 jogos, e fui feliz lá. Também não se pode supervalorizar o futebol europeu.

O que você quer dizer com esta última frase?
A Europa não é todo o continente. É Inglaterra, Espanha, Itália e paramos por aí... Por exemplo, o Brasil é muito melhor futebolisticamente do que muitas seleções europeias, disputa com a Itália. Mas como não está no primeiro mundo, não se dá o mesmo valor a ele. Os parâmetros estão errados.

Nesta sua vida errante, havia também um componente de curiosidade? Jogar em sete países não é tão comum...
Era a busca de desafios, de um clube que cumprisse os meus requisitos, algo que encontrei no Botafogo. Infelizmente isso não aconteceu em todas as partes. A exceção pode ter sido o La Coruña, que não emprestava duas vezes ao mesmo clube e me obrigava a descobrir novos lugares. E, claro, então veio essa curiosidade de conhecer novas culturas.

O que falta fazer na sua carreira?
O primeiro é continuar buscando a glória, aumentar o meu prestígio com o clube, render a um nível com o qual possa continuar sendo jogador de seleção, continuar procurando disciplina e profissionalismo. O sonho de continuar está sempre presente. E virão novos desafios que quero enfrentar. Ser campeão do mundo, por exemplo.

Um novo "Maracanazo" talvez?
Não, isso não passa pela nossa cabeça. Deu sentido à camisa uruguaia, mas já virou lenda. Esta é a nossa própria história, o nosso próprio caminho. Quando você nunca foi campeão do mundo, não passa pela sua cabeça estar escolhendo adversários. O sonho é o de erguer troféus, seja contra o Brasil ou quem for, dá no mesmo.

Sempre o vemos levar uma filmadora para gravar tudo e mostrar aos seus filhos no futuro. De onde surgiu a ideia?
 Gostaria de mostrar a eles o que vive um jogador de futebol, porque muitas vezes nos veem como se fôssemos intocáveis. Quero que vejam as coisas íntimas, que normalmente não se veem na TV, os maus e os bons momentos e como compartilhamos os mesmos gostos com qualquer cidadão, coisas que para eles seria bom valorizar. Por trás dos insultos que às vezes você recebe, existe uma pessoa que também tem família.

E você pensa em fazer algo mais com essas imagens?
Nós temos a Fundação Celeste, que surgiu no Mundial, com todos os integrantes da seleção, para ajudar as crianças carentes por meio do esporte. A ideia que temos é realizar um documentário com tudo que se gerou na etapa do professor Tabárez no selecionado. Temos certeza de que as pessoas gostarão.

Voltando um pouco ao futebol, você sente que os centroavantes que jogam na área como você estão em vias de extinção?
A dinâmica mudou. Os camisas 9 atuais têm o estilo do Luis Suárez, que se move sem posição fixa. Nas categorias de base, já se começa a trabalhar dessa maneira. Até existem camisas 9 de área, mas nas divisões inferiores já lhes dizem que precisam ter outras características. Nós, que temos essa tradição mais antiga, viemos de outra cultura, mas temos de nos adaptar ao futebol de hoje. No momento em que eu for técnico, valorizarei os centroavantes clássicos. Eles nem sempre têm de ser uma alternativa dentro do time titular, mas você pode modificar a postura tática em relação ao rival e desconcentrar a defesa. Você pode romper a linha de defesa pelas laterais e usar um pivô, para que os meias possam chegar desde atrás.

E nessa evolução, já é o momento de aposentar a ideia da "garra charrua"?
Quando o Uruguai não tiver garra, deixará de ser o Uruguai. Obviamente, temos um sistema tático firme, uma defesa com linhas muito unidas, que não deixam espaços, e os melhores atacantes do mundo, que fazem a diferença. Mas a garra continua. Por exemplo, contra a Argentina, fizeram 13 faltas no Luis Suárez. Ele provocou um cartão vermelho e acabou criando a jogada de um gol. No dia em que os nossos jogadores se esquecerem disto, a Celeste estará perdida.